As mulheres membros da Comissão dos Direitos Humanos, Direitos Sociais e do Consumidor da Câmara de Uberlândia, em parceria com a Comissão da Saúde e Saneamento, realizaram a audiência pública ‘Visibilidade e Voz: Maternidades Atípicas no Centro dos Direitos Humanos’ na tarde desta terça-feira (27), em comemoração à Semana Municipal da Maternidade Atípica, uma atividade que passou a integrar o calendário oficial do município desde o início de 2022.
O evento reuniu mães atípicas que representam entidades e associações que lutam em prol do reconhecimento do trabalho intensivo, árduo e cumulativo que exercem ao buscarem os cuidados e a qualidade de vida de filhos com deficiência, em especial, aquelas relacionadas às faltas ou perdas cognitivas, transtornos mentais ou psiquiátricos, como a esquizofrenia, a deficiência intelectual, e os transtornos de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e outras ainda relacionadas às desordens do desenvolvimento neurológico, como o autismo.
A audiência pública foi conduzida pela presidente da Comissão de Direitos Humanos, vereadora Liza Prado (Cidadania) e acompanhada pelas vereadoras Amanda Gondim (PSB), membro da Comissão, e pela 2ª vice-presidente da Câmara e presidente da Comissão de Saúde, Gláucia da Saúde. As comissões atenderam ao pedido da mãe atípica e assistente social, Maria Bertolino, uma vez que a Lei municipal nº 13.685/2022 determina a realização da Semana na terceira semana do mês de maio e, segundo ela, “a data não pode cair no esquecimento”.
Bertolino chamou atenção das autoridades, especialmente das representantes da Secretaria de Desenvolvimento Social de Uberlândia presentes no debate desta tarde, para o empenho em “fazer a diferença na vida das pessoas atípicas” e se baseou na Política Nacional de Cuidados, sancionada em 2024, para defender que as mães atípicas “precisam de suporte, uma vez que cuidam de pessoas que precisam de cuidados constantes, a maioria apresentam renda econômica baixa, dependem exclusivamente do sistema público, mas enfrentam diariamente longas filas para conseguir o mínimo”. As lutas que as mães atípicas enfrentam, como citou, são por atendimento especializado na área da saúde para os filhos com deficiência, por atos complementares inclusivos, pelo transporte especializado, pela vida social e pelo reconhecimento do trabalho que exercem initerruptamente. Segundo acrescentou, “os cuidados é uma necessidade e um direito de quem oferece cuidados todos os dias, além de ser uma responsabilidade que tem de ser compartilhada entre o Estado, as famílias das pessoas com deficiência e a sociedade”.
A vereadora Amanda Gondim, no uso da palavra, lembrou a audiência realizada pelo Fórum de Parentalidade Atípica nas dependências da UFU em fevereiro deste ano para ouvir professores quanto ao atendimento dos alunos com deficiência. Segundo a parlamentar, o encontro levantou dúvidas e demandas recorrentes que a prefeitura ainda não respondeu. Ela sugeriu um trabalho integrado entre as comissões para atender as mães sobrecarregadas, lembrou que o Brasil é “composto por mães solo” e que a atuação do Estado tem sido insuficiente para solucionar questões internas das mães atípicas. No caso de Uberlândia, ela afirmou que as respostas dependem da atuação do poder executivo e que, apesar de estar cobrando um posicionamento reiteradas vezes à prefeitura, não tem obtido uma resposta completa para as mães atípicas.
A representante dos Usuários do Sistema de Saúde de Uberlândia, Tânia Lúcia, lembrou a atuação no Conselho Municipal de Saúde e a luta das mães atípicas ainda no ano de 2012. Naquela época, foi criada a Comissão das Doenças Raras e Autismo, mas as políticas não avançaram na velocidade necessária. Uma das metas era catalogar as mães “para ações efetivas”, uma vez que invisibilidade complicava o avanço das políticas públicas. Ela citou as dificuldades dessas mães mesmo com às consultas básicas e a falta de neurologistas e outros especialistas como fonoaudiólogos para atender as crianças com deficiência.
A ex-vereadora Cláudia Guerra, autora da Lei nº 13.685/2022, que estabeleceu a Semana Municipal da Maternidade Atípica no município, participou da audiência e lamentou o fato de políticas públicas para as mães atípicas não ter avançado até o momento. Ela enfatizou que essas mães têm trabalho reprodutivo e produtivo no cuidado com os filhos, dupla jornada de trabalho e ainda precisam lidar com a falta de especialistas da saúde para tratar seus filhos. Assim como outras mães e ativistas, Guerra falou sobre a necessidade de aumento no número de neurologistas para atender as pessoas com deficiência e disse que essa luta é sofrida para as mães de classe média e ainda mais para as mães atípicas periféricas. No âmbito da saúde, reclamou dos diagnósticos tardios para pessoas com algum tipo de deficiência neurológica ou mental, na área da educação fez coro às demais mães ao dizer que faltam profissionais de apoio e estrutura inclusiva, o que demanda uma ação, até mesmo do Ministério Público, para diminuir o sofrimento das mães atípicas.
A mãe atípica, Caroline Ataíde, relatou a dificuldade em manter o tratamento dos dois filhos diagnosticados com o espectro autista, uma menina de nove anos e um menino de seis anos, em instituições de assistência médico-terapêuticas com dois. Para a filha Aurora, por exemplo, contou que, após três anos de tratamento com fonoaudiólogo e psiquiatra, as terapias foram interrompidas, e o filho parou de falar e interagir, o que o levou a um diagnóstico de depressão. “Foi perdendo autonomia”, disse Caroline, adiantando que ele precisa de uma Terapeuta Ocupacional e de fonoaudiólogo, o que é difícil encontrar no Sistema Único de Saúde.
A presidente do Fórum de Parentalidade Atípica e mãe atípica, Ana Cristina Porfírio, falou sobre a elaboração de um relatório após o Simpósio ocorrido na UFU com sete páginas de indicações para o planejamento de políticas públicas “ouvindo quem vai usar”. Ela, que é mãe de garoto de 13 anos diagnosticado com o espectro autista, reclamou das terapias em locais distantes para o atendimento de uma média de 30 minutos, o que torna o tratamento cansativo e sem resultados. “É uma política pública só para maquiar, daí é uma coisa que não funciona”, afirmou. Porfírio também argumentou que o Estado não cuida dos responsáveis pelas crianças e não tem promovido políticas públicas pensadas na dignidade de uma “mãe comum”. Ela lamentou o fato de estar recorrendo ao poder público para ter as garantias sociais atendidas e debateu ainda a necessidade de concessão de auxílio para mães atípicas que precisam deixar os empregos para cuidar do filho (a) com deficiência.
A representante jurídica da Secretaria de Desenvolvimento Social, Fabiana Camargos, também mãe atípica de um filho autista nível 3 de suporte, aproveitou a oportunidade para falar da importância em ter a redução da jornada de trabalho para acompanhar o filho nas terapias e que, pelo trabalho que exerce na Secretaria, vê a situação de quase impossibilidade de mães com vulnerabilidade social atender as demandas dos filhos com deficiência. Ela salientou trabalha para garantir o direito das crianças com deficiência dentro da Diretoria de Benefício Social por meio das visitas e ao enquadrar as famílias nos programas que podem atendê-las.
A assistente social que lidera o “Movimento Empurra essa causa”, Gabriela Bernardes, apresentou dados da Revista BMC Pediatria que mostram os desafios, na área da saúde, enfrentados por pessoas com deficiência, o que causa reflexos na saúde física, emocional e social das famílias desse grupo. Na área social, por exemplo, citou o isolamento social e os estigmas. Segundo ela, os pais sentem o preconceito contra os filhos de uma forma mais dolorosa e por isso é necessário elaborar políticas públicas pontuais para buscar solucionar esses agravamentos.
Bernardes ainda citou projetos de Lei que tramitam no Senado, como o que estabelece a redução da jornada de trabalho para os pais atípicos, mas que ainda não ganhou amplitude no debate, prioridade no atendimento das consultas e incluir o trabalho das mães atípicas no valor da pensão alimentícia.
Relatos de outras mães
Elza Maria da Silva relatou que é avó de neto autista e órfão e que o jovem, apesar de esforçado, tem dificuldade de concentração, apresenta problemas de equilíbrio, e precisa ser assistido financeiramente para compra de calçados especiais e para a realização de terapias. O jovem ganhou uma bolsa de estudos do Colégio Nacional, mas ele não pode andar de ônibus coletivo e a avó teria que arcar com, além do transporte, o material da escolar, o que não consegue suprir com o benefício que recebe do CRAS. “O autista é inteligente, pode dar retorno para a sociedade, basta olhar com bons olhos”, defendeu a idosa.
Verônica Fraga, uma mãe atípica conhecida em Uberlândia por sua luta e coragem para atendimento do filho com paralisia cerebral e tetraplegia, disse que esses adjetivos se tornam cansativos pela luta constante. Ela disse que as mães atípicas precisam de cuidados, ela mesma já passou por momentos emocionais bastante debilitantes que chegaram a desacreditar da vida. Ela disse ser necessário capacitar e qualificar os profissionais da saúde para o atendimento da pessoa com deficiência e catalogar esse grupo de pessoas com as diferentes patologias nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para o norteamento das políticas públicas.
O Dr. Marcos Montanha, ex-diretor da Pessoa com Deficiência da OAB Uberlândia e deficiente visual, falou sobre o trabalho conjunto realizado entre a Ordem e as mães atípicas em busca de melhor qualidade de vida e que as demandas precisam ser institucionalizadas.
Maria de Lourdes, mãe de um filho com esquizofrenia, disse que esse é um “transtorno que dói na alma da mãe”. O adolescente de 15 anos tem dificuldade intelectual e sofre de pricose infantil, uma condição de comprometimento significativo da percepção da realidade, com sintomas como alucinações e delírios que, segundo ela, “o SUS não consegue ver esse problema”. A mãe conta que o filho fazia tratamento no Centro de Atenção Psicossocial desde 2016, mas o tratamento foi interrompido e o benefício do jovem foi retirado devido ao fato do filho ser atendido em Patos de Minas.
Miriam Braga disse que o filho faz tratamento no Centro de Referência de Autismo – CR TEA – e reclamou da falta de visibilidade das famílias atípicas e do atendimento para consultas nos postinhos de saúde. No CR- TEA ela diz não ter psiquiatra e nem Terapeuta Ocupacional e que o horário da terapia foi reduzido para 40 minutos e apenas uma vez na semana. “É preciso olhar para eles o ano inteiro ... olhem para as famílias quando estão nas filas esperando atendimento”, pediu a mãe atípica.
A mãe atípica Adriana Ribeiro é servidora pública afastada devido a uma deficiência física. Por conta da renda que recebe, não consegue o benefício para o filho de nove anos diagnosticado com autismo e o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). As dificuldades estão, para além da financeira, a de locomoção, já que ela anda de moletas e tem dificuldade em segurar o filho na rua, de colocá-lo no ônibus e depois subir. Segundo ela, os elevadores dos ônibus não funcionam e essa dificuldade levou o filho a ter faltas nas terapias realizadas Campus Municipal de Atendimento à Pessoa com Deficiência e por isso o local suspendeu o tratamento da criança.
Ribeiro disse que precisa de uma van para levá-la com o filho até o Campus e ainda de apoio financeiro, já que gasta quase R$ 650 por mês com medicação para o filho e também para ela, que também foi diagnosticada com problemas emocionais devido a carga que carrega.
A vereadora Liza Prado disse que estava sendo confeccionada uma ata da audiência de hoje e que todas as demandas seriam encaminhadas à Secretaria de Desenvolvimento Social. Ela lembrou também que fez o convite às secretarias de Saúde e de Educação, que não compareceram à audiência e, sendo assim, a Comissão pode convocar os representantes dessas secretarias para prestar esclarecimento no Plenário da Câmara.
Fonte: Departamento de Comunicação (Emiliza Didier)